quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Laurindo Rabelo - O tempo


O tempo
Deus pede estrita conta de meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?


Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.


Oh! vós que tendes tempo sem ter conta
Não gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.


Mas, oh! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
Não choravam como eu o não ter tempo.


Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrível plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.


Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir - digesto humano
Quero fazer - que nasça hoje um diabo.


E o 23 de maio nisso raia...
Teotônio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.


Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.


Vendo da peste o bárbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D'África deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.


O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buído punhal por escalpelo.


Homeopata é, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
"Doutor, eu quero ter vosso futuro."


- Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que não hás de morrer desconhecido. 

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