TEM ESPERANÇA
(fragmento)
Ten esperanza
V. ALEIXANDRE
A Felipe Mozhorta Etxaurren
O dia inteiro é um crepúsculo de cinza.
Foste perdendo a fragância da alvorada
como um impulso de uma veia que vai agonizando,
mas a noite já te pesa em cada movimento, corrompe o teu hálito
com o sedimento de uma fadiga maquinal.
As ruas tornam-se ermas, tantos os rostos de ninguém
que passam, sem te dar uma palavra na sua rigidez.
O rio traz a erosão dos montes, não o reflexo das frondes,
e em sua corrente sentes pulsar o lodo se buscas o cristal.
das horas que em suas margens e chamaste alegria.
As pontes enlaçam a cidade, mas os homens
defrontam-se, peito contra peito, sem se verem sequer.
Tu caminhas, vais caminhando ao só como nasceste.
Apenas a chuva te acompanha e em tuas faces
é acerba e premente como as lágrima
que não consegues chorar pois te gritaram
que te despiste já de teus gestos de menino.
E ficaste só com a estranha força de quem é indefeso.
Mas lembra-te que não acabaste de crescer,
que profundamente cresces ainda, lentamente,
entre o horror e o espanto: és aprendiz
que inábil, receoso, empunha o escopro,
perseguindo para o seu ser a harmonia total
que, encandeado, mal vislumbra, ao longe.
JOSE BENTO
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