sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

UM CACTO NO POLO - EUGENIO DE CASTRO


UM CACTO NO PÓLO

         Julguei que se tinha levantado um obelisco no meio da praça;
e que o obelisco dava uma sombra azul; e que tinham acendido um
fogãono quarto húmido; e que tinham dado alta no doente.

Julguei que nascia o sol à meia-noite; e que uma boca muda me falava; e que esfolhavam lírios sobre o meu peito; e que havia uma novena ao pé do jardim da Aclimação.

Uma boca muda me falou; mas o obelisco, de tênue que era, não de sombra; e o fogão não aqueceu o quarto húmido; e o doente teve uma recaída.

E o clawn entrou, folião, na Igreja; fez jogos malabares com os cibórios e os turíbulos; e tornou a nevar; e após os brancos etésios, soprou o mistral forte.

E na alcova branca entrou a Dama expulsa, cujo corpo é d´âmbar e cera e todo recendente de um matrimónio aromal de mirra e valeriana,a Dama dos flexuosos e vertiginosos dedos rosados.

E seus cabelos de czarina eram claros como a estopa e finos como as teias de aranha; e seu ventre alvo, de estéril, era todo azul, todo azul de tatuagens.

E a Educanda fugiu do Recolhimento; e com a Dama expulsa passei a noite em branco; e a noite foi toda escarlate.

E no dia seguinte, em vez dos sacros livros, que de ordinário me deleitam, li Schopenhauer, e achei Arthur Schopenhauer setecentas vezes superior a todos os doutores da Igreja.
Eugenio de Castro

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