Num café da Via Monginevro
O rapaz do café olha-me com alguma desconfiança,
mas mesmo assim fala-me, é afável. Talvez seja
do pais esta necessidade de estar próximo, de irradiar
um sólido encurtar distâncias neste tempo de implosões
organizadas. O rapaz do café traz os pedidos como
equilibrista de lugarejo: a bandeja, de uma bacidez
acinzentada, bascoleja copos, latas... e a mim também,
que de equilíbrio me sofro tão incapaz de um eu a recusar-me
unidade e acerto. Certo dia alargou-se mais: que era
lá debaixo, da Ligúria. Nascera em Sestri Levanti. Se eu conhecia,
e olhou-me a ameaçar escárnio: que sim, que sim (acalmei-o),
mas só de passagem, aliás, é de passagem que tudo conheço.
Conclusão que ele entendeu, pois logo me olhou livros e papéis.
O rapaz do café tem algo de metafísico (acabei por decidir),
pois quando fala depressa não o entendo, e quando se explica
pausadamente não o entendo também. Certo dia apanhou-me
alguns versos que me haviam caído da mesa e então perguntou-me
se eu fazia poesia. Que não!, respondi-lhe peremptório,
é ela que me faz a mim; é ela que me não larga, sempre
a recusar-me razão, conformidade. O rapaz do café deixou,
por fim, seu antigo olhar. Agora tem um outro, bem mais
enigmático - coisa de fascínio com hostilidade à mistura.
VICTOR OLIVEIRA MATEUS
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