terça-feira, 13 de março de 2012

LUIS FELIPE CASTRO MENDES - ANOITECER DE OURO PRETO

Anoitecer de Ouro Preto

Nas gelosias se quebra
toda a luz; e toda a graça
que em raios de sol se dispersa
faz-se cinza nesta praça.
Nos altos sobrados velhos
das casas com seus fantasmas
um vulto vem de joelhos
trazer-me a pena das almas.
Anoiteceu; mas aqui
nesta praça de Ouro Preto
tantos rostos que entrevi
foram sombras de um só medo.
Porque os mortos me procuram?
Quantos crimes cometi?
Cai tão cedo a noite escura
que nem sei o que vivi.

Nas gelosias se perde
o desenho de uma vida:
sou eu o vulto que acede
à janela escurecida.
Fui eu que traí a senha,
sou confidente e algoz:
ninguém há que me detenha!
nenhum cavalo veloz
pode alcançar-me, prender
meu corpo em dura prisão:
que os traidores hão-de vencer,
pois a história é só traição.

Escondo-me no sobrado:
oiço passos que perseguem
o riso dos conjurados,
torturando até que neguem.
Escondo-me pelo confins
da História que já não lembro,
de que não sei mais os fins
nem os vãos ardis retenho.
Sou eco do que falou,
o escondido delator,
o que em tratos revelou
até segredos de amor.
Oiço a dor dos torturados,
fui eu que traí a senha:
não há cavalos alados
nem tropa que me detenha!

Anoiteceu. Gelosias
fecham no sobrado as almas.
E as palavras são tão frias
como negras aves calmas.
Luis Felipe Castro Mendes

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