domingo, 27 de maio de 2012

VITOR OLIVEIRA JORGE - PÚRPURA



PÚRPURA

Naquele dia, o cardeal e a sua esfinge
Vieram à janela ver o apocalipse,
Os tons raiados do poente.

Vamos de púrpura, disseram em uníssono.
Façamos pontaria para o pressentimento,
A pose tem um valor enorme!

É preciso sacrificar um animal, disse
Alguém, inadvertidamente

Atiremos as cores para a frente, como
Quem sacode uma toalha ou agita uma flâmula.

E apontemos à direcção: é crucial misturar.
Mesclar as veias dos olhos
Com as veias do céu no poente.

O inocente já foi sacrificado, disse
Outro alguém, mais advertido.

A pose é tudo. As insígnias. Os animais
Heráldicos respiram. A nobreza vive dos seus signos.
Olhemos de frente o perigo que não vemos.

Vem aí. Está para chegar há séculos.
Mas a sua vinda é sempre postergada.

O importante é estar à janela, virar as varandas
Para a agonia escarlate do poente.

E sucessivamente
Ver o grená, o rosa, o roxo, o carmim,
O cair abrupto dos veludos sobre as pálpebras.
A direcção uníssona das figuras.

Pai, por que me abandonaste,
Perguntara um pobre homem algures

É tarde demais, entre a Ordem e o Caos
Chegámos depois da hora. Temos ainda a pose,
Mas espalhou-se tudo, os arquivos estão nas ruas
E as suas folhas voam como asas;

As lanças erguem-se como dantes
Na procissão dos Segredos.

Mas os gatos vestiram-se ainda de cardeais.
E os cardeais aguardam o primeiro impacte
Atrás das suas liturgias.

Há um hieratismo, um fulgor de bronzes
Que se entorna de horizonte em horizonte;
Essa força caminha!

Por isso o cardeal se dirigiu à janela
Do Mundo, aquela por onde entra
O Presságio: e ergueu o globo,
E deu-se a ascensão das tiaras.

As bolas de fogo vêm aí, estão sempre
Para chegar a qualquer momento.

Em cima do altar fulgura ainda o bode.
O grande bode expiatório.

A cerimónia, en-
-fim.

Mas é (de) tarde,
talvez.

E é este último verso,
"Talvez",
Que prepondera, que esquadria
As atitudes.
VITOR OLIVEIRA JORGE

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